Por que a mídia não chama de criminoso?

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Atualizado há 3 dias

Não é raro, no dia a dia do jornalismo policial, que profissionais se deparem com críticas ao uso da palavra “suspeito” em reportagens.

Frases indignadas como “vocês, jornalistas, vivem protegendo esses vagabundos” são frequentes nas redes sociais e comentários de leitores. O que muitos não compreendem, no entanto, é que esse cuidado tem base legal e ética: trata-se do respeito ao princípio da presunção de inocência, garantido pela Constituição Federal.

O Portal Banda B conversou com Danda Coelho, professora de Comunicação Social da Universidade Tuiuti do Paraná, responsável pela disciplina de Legislação e Ética, para esclarecer essa questão que gera tanta controvérsia.

É necessário tratar qualquer pessoa como suspeita. A gente não pode, no jornalismo, tratar alguém como culpado, dizer que alguém cometeu um ato criminoso. Por quê? Porque o papel do jornalismo é divulgar. O único que pode condenar é o poder competente para tanto”, explicou a especialista.

A Constituição é clara: ninguém é culpado até decisão final

A base dessa conduta está no artigo 5º da Constituição Federal, que determina:

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Ou seja, até que todas as possibilidades de recurso estejam esgotadas e a condenação seja definitiva, a pessoa não pode ser tratada como criminosa — mesmo que tenha sido presa em flagrante.

“Mesmo no flagrante, é possível que a pessoa não seja condenada. Então, para alguém ser considerado um criminoso, é necessário que ele seja condenado por uma sentença da qual não cabe mais recurso. Aí sim poderemos dizer que fulano estuprou, matou ou roubou. Antes disso, em hipótese alguma”, ressaltou Danda Coelho.

Imagens e vídeos: cuidado redobrado

A exposição da imagem de uma pessoa investigada também exige cautela. A divulgação de fotos ou vídeos de suspeitos pode gerar danos irreversíveis à honra e à imagem social do indivíduo — especialmente se, mais tarde, ficar provado que ele era inocente.

“Se eu divulgo a foto, posso cometer um ato criminoso, que é induzir as pessoas à afirmação de que ele é um criminoso. Ele é apenas um suspeito. Existem situações em que cobrimos o rosto das pessoas por respeito à legislação — como menores de idade ou investigados protegidos por decisão judicial”, explicou a professora.

O papel do jornalismo: informar, não julgar

A ética jornalística determina que a função da imprensa é informar a sociedade com responsabilidade e compromisso com a verdade, sem prejulgar ou assumir o papel do Judiciário. Tratar investigados como culpados não apenas fere a lei, como compromete a credibilidade da informação.

Portanto, o uso da palavra “suspeito” não é um ato de proteção a criminosos — é um respeito à legalidade, à ética profissional e aos direitos fundamentais. A imprensa séria tem o dever de respeitar esse princípio, mesmo quando isso vai contra o clamor popular ou a sede por justiça imediata.