OPINIÃO: Projeto de censura do Executivo pode ser parceria com STF
Acordamos nesta semana com os jornais anunciando um projeto do governo para regular redes. A ideia, segundo a imprensa, pois o texto ainda se desconhece, é autorizar o Executivo, por meio de uma autoridade escolhida por ele, a identificar “abusos” e determinar bloqueios de plataformas, sem precisar de decisão judicial.
A ideia surge em seguida a Lula ter confessado pedir ajuda chinesa para o tema e ao STF anunciar a retomada do julgamento das redes. E isso tudo às vésperas de uma eleição que o governo aparenta ter chances pequenas de ganhar.
A estratégia me soa articulada entre Executivo e STF – e tomara que eu esteja errado. O Marco Civil, atualmente, impede um projeto desse, em razão do artigo 19, que exige decisão judicial para remoção de conteúdo. Então, o projeto necessita que o STF declare a inconstitucionalidade do referido artigo para existir. Não é esquisito o projeto ser anunciado contando com isso?
Com o projeto implantado, o poder de censura, que hoje é quase exclusivo do judiciário, aria para o colo do Executivo. Também não seria nada mal ao STF o governo tirar de suas costas uma censura cada vez mais incômoda, pois cada vez mais política.
A parceria entre Executivo e Judiciário nesse tema – antes fosse apenas nesse – também não seria nenhuma novidade: há semelhança de pensamentos entre eles e os palanques usados para louvar a derrota do bolsonarismo não me deixam mentir.
Outro ponto, e o que mais me assusta, é que o projeto pressupõe também a permanência do governo no poder. Afinal, qual sentido teria tanto esforço para no ano que vem entregar essa chave de ouro, esse bastão de poder, ao adversário que assumir? Faz muito mais sentido pensar que o governo pretende fazer do projeto de censura seu cabo eleitoral predileto, uma segurança de sucesso
O Brasil, com ar democrático, está prestes a mais um mergulho profundo em práticas autoritárias. Sairíamos da censura feita por inquéritos sigilosos do STF para uma censura do Executivo, consentida pela Corte. Cabe à sociedade resistir. Ou quedar calada.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.