OPINIÃO: O Brasil no purgatório

Fazer uma longa lista com questões emergenciais que preocupam o Brasil em 2025 é tarefa fácil para quase todos os brasileiros, talvez com alguma dificuldade para colocá-las em ordem de prioridade. O grande problema é que se tivéssemos cumprido esta mesma missão em 2015, 2005 ou 1995, os itens seriam quase os mesmos. Seguimos andando em frente, sem sair do lugar.

Com um pouco de audácia, poderíamos estratificar esta lista em questões morais, econômicas e políticas, com novo dilema sobre onde colocar alguns dos itens listados, já que muitos deles caberiam em todas as classificações. Se, em poucos minutos, somos capazes de identificar nossos principais problemas, por que, em décadas, não temos capacidade de enfrentá-los? Esta é a tal pergunta que vale milhões.

Puxando o fio do novelo, com a ponta do déficit público, fonte inesgotável de entraves do nosso desenvolvimento porque gera impostos progressivos, enxuga a liquidez do mercado, aumenta a inflação, por consequência os juros, limita as sobras para investimentos e tantas outras limitações que justifica tentar entender as raízes deste problema.
Talvez a corrupção fosse um ingrediente em anexo porque é sempre mais fácil enriquecer com recursos que estão na mão do Estado do que no bolso do cidadão, deixando para o governo a missão de meter a mão em nossa carteira para cobrir os prejuízos, em rotina cíclica que até já estamos perdendo a capacidade de indignação, por isso é mais cômodo colocar a conta do déficit público na gestão econômica de plantão, ainda que ela também contribua com sua parcela de culpa.

Guido Mantega, Henrique Meirelles, Paulo Guedes e agora Fernando Haddad tiveram a missão de conduzir nossa economia nos últimos 20 anos e, deixando a paixão de lado, é justo reconhecê-los como competentes e bem-intencionados, ainda que em proporções diferentes, todavia todos eles esbarraram em questões maiores que, provavelmente, limitaram suas ações em relação ao combate do déficit público. Em Haddad, atualmente no plantão da economia, é ainda mais visível por ser mais recente. Porém, a pergunta se estende a todos: teriam eles, qualquer um, capacidade de se impor às diretrizes de seus patrões quando suas intenções se chocam com as prioridades políticas?

Para não deixar nenhuma dúvida, vou responder individualmente. Quando a patroa era Dilma, a resposta era não. Com Temer, também não. Bolsonaro seguiu com a mesma resposta e agora Lula confirma o paradigma: a prioridade absoluta deste país é atender as demandas da classe política!

Acredito que ler o nome do seu preferido no parágrafo acima, doeu na alma de milhões que insistem em misturar paixão com bom senso. Nenhum deles (“nenhum” é um conjunto vazio, para ser mais afirmativo) teve a coragem ou possibilidade de inverter estas prioridades, ainda que as motivações fossem diferentes. Talvez seja o caso de avaliar estas motivações…

Medo do impeachment? Sim, resposta única para todos (a única que apostou, saiu perdendo).
Comprometimento com a corrupção? Não, é muito pesado definir deste jeito, mas se o texto falar em cumplicidade com o esquema corrupto que coloca da mesma sala ministros, diretores de estatais, deputados, senadores e presidentes de partido, não hesito em responder afirmativamente, com o devido cuidado de ressalvar que qualquer generalização seria injusta.

Aliança imprópria com as elites econômicas e políticas do país? Sim, com a preocupação de registrar que esta resposta se repete desde as Capitânias Hereditárias, formato que inspira acordos políticos mesmo após cinco séculos.
Apego ao poder? Parece que chegamos ao questionamento mais forte e que abre uma possibilidade de entendermos as três respostas anteriores. Distantes em ideologia, personalidade, em história de vida, este item torna iguais os lulas e bolsonaros da nossa política. De novo, respeitando suas escolhas ou paixões, meu guia é o bom senso, ainda que determinado pela minha capacidade de entender os fatos.

Com toda a frieza do mundo, Lula tem quase oitenta anos e Bolsonaro tem uma inelegibilidade para se preocuparem, ainda assim sua prioridade mais relevante é o poder, só muda o verbo, manter ou voltar.

Lula não tem sucessor, principalmente porque nunca fez um esforço genuíno para abrir espaço para um novo líder da esquerda, nada de sombra porque segue com o domínio absoluto do poder e do partido. Alckmin e Haddad poderiam estar dividindo holofotes como eventuais alternativas.

Bolsonaro trava a sucessão com uma postura personalista simplesmente porque o único candidato que ele quer votar e trabalhar em 2026 é ele mesmo. Tarcísio e Ratinho estão prontos, na fila, com uma ótima folha de serviços prestados e, de novo opinião pessoal, muito mais preparados para o exercício do poder que o líder que quer morrer abraçado, levando toda a direita para uma aventura eleitoral, comprometida pela exiguidade de tempo para construir unidade, só depois que resolver largar o “osso”.

Poderia seguir avaliando a relação do governo, qualquer deles, com o Congresso, o mesmo de sempre, fonte inesgotável de criatividade, sempre prontos a gerarem um novo monstrengo voraz em aniquilar recursos públicos, ainda que encobertos de nomes e caminhos diferentes, porque você, eu a torcida do Flamengo e do Corinthians juntos, sabemos que mensalão ou emenda secreta produz o mesmo resultado para os cofres públicos. Nem adianta, porque isto é de domínio público e nem mesmo podemos reclamar porque nós é que parimos este monstro nas teclas das urnas eleitorais.

Um longo raciocínio para uma conclusão óbvia: nosso modelo político, presidencialismo de coalizão combinada com reeleição, é apontada pelo waze da ética como o caminho mais curto para o inferno astral que envolve o nosso Brasil.
Parece simples, mas pense comigo: o Brasil é um dos países mais injustos do mundo, o paraíso na terra para andar de cima da pirâmide de riquezas e uma grande confraria da elite política que briga em público e se confraterniza na divisão das benesses do poder. Está bom demais para as elites políticas e econômicas para que se espere deles um único o em direção oposta.

A resposta jamais virá de quem está se lambuzando do mel que escorre do favo do poder.

Enquanto os brasileiros não entenderem que a questão não é A ou B, ainda que uma letra mais eficiente ajude, não sairemos do lugar. Para seguir em frentes, seja com A, B ou Z, precisamos de correções na formatação política que resulte em relações honestas no andar de cima e permita que a prioridade seja cuidar do Brasil e não da próxima eleição.

Você sempre terá a opção: pode continuar xingando o oponente, repetindo fakes maldosos, ainda que um ou outro mereçam, ou entender que o jogo do poder precisa ser movido por ideias e jamais apenas por nomes.

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