Opinião: Juntando os grandões para bater nos pequenos

Reprisando uma cena que os tempos modernos extinguiram… desavença no turno da aula, seguida do desafio para esperar na esquina… mãos alinhadas, rosto fechado, toda a cena montada para definir quem é o mais forte, todavia, quase sempre, chegava o grandão de bom senso e impedia a briga, geralmente contendo o maior e o inibindo com seu poderio.

Aconteceu também no pátio da Aldeia Global. Um moleque crescido resolveu invadir a cadeira do molequinho menor e quase o expulsou de casa, sendo contido por alguns amigos do pequeno, até que chegou o grandão, de topete e cabelo laranja, e, numa maneira inédita, impõe o fim da briga exigindo que o pequeno entregue a cadeira para o maior, simplesmente porque ele é mais forte e não adianta brigar, melhor respeitar a lei do mais forte e se render!
Cena ridícula, com o agravante de que está cheio de gente aplaudindo o grandão de topete laranja, apaixonado por seus métodos conservadores, sem ofensa ao verdadeiro sentido da palavra, mas remetendo aos tempos antigos, onde a lei do mais forte era a regra. Tomou sua fruta, corre. Roubou seu boné, corre. Invadiu sua casa, corre. Respeito, direitos, ética, decência… jogue tudo na lata de lixo porque vamos reescrever as regras com a caligrafia do grandão de topete laranja.

A lógica é cristalina: se Putin pode invadir a Ucrânia, com isenção da comunidade internacional, também poderá fazer na Romênia ou na Moldávia. Então, por que impedir que a China assuma Taiwan?

Melhor ainda que o apoio ao moleque atrevido do leste europeu, serve de recado para mexicanos, canadenses, dinamarqueses ou quem mais ousar duvidar das novas regras da Aldeia Global. Mais incisivo ainda para aqueles que querem sair do seu quintal: é proibido, exceto se você tiver dinheiro para o eio.

Não pense que teremos novos bonapartes, alexandres ou generais romanos, porque, atualmente, tem muita gente com bazucas nucleares, capazes de colocar tudo para voar em segundos e até aquelas abelhinhas modernas cuspindo fogo e bombas, com capacidade e arsenal para enfrentar e botar para correr até exércitos bem equipados.

Exceto o garoto atrevido do leste europeu, ninguém mas liga para terras, mas pelo que ela produz ou contém em seu interior. Comodities e riquezas é que representam o sonho de grandeza dos tiranos modernos, fechando o ciclo das negociações amigáveis, aquelas superadas operações de soma onde todos ganhavam.

Um revisita histórica rápida mostra que as lições das duas grandes guerras permitiram a formação de uma civilidade internacional, promovida por acordos e instituições que protegem a todos e preservam as relações em limites de razoabilidade. Lembre-se que todo este aparato pós-guerra visava, sobretudo, impedir novos hitlers ou tresloucados com sonhos de grandeza que comprometessem a paz mundial. Essencialmente, nestas situações, todos deveriam se unir e impor limites ao transgressor. Não é mais assim.

O grandão de topete laranja percebeu que se unir os maiores, os pequenos poderão espernear à vontade porque não terão forças para enfrentá-los, portanto que se jogue no lixo a tradição de cordialidade, de proteção mútua, expressas na Otan e outros tratados. Como ouviu Zelenski, quem não tem cartas, foge do jogo e aceita a vitória dos maiores. Na prática, as declarações abusivas do grandão, desrespeitando até o papel de anfitrião, são a senha para uma nova corrida armamentista porque todo país atento já percebeu que precisa aumentar seu poderio bélico e seus investimentos em segurança.

Se a sequência desastrosa de fatos não for contida, o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia, em Sarajevo, em 1914, e a invasão da Polônia em 1939 poderão ser seguidas com a descrição da eleição do grandão de topete laranja como estopim das grandes guerras mundiais, episódios que tem em comum a falta de diálogo e de bom senso, mas principalmente a inércia dos players principais nos momentos que antecederam a tragédia.

Uma análise mais criteriosa precisa conjugar as variáveis comerciais e de segurança para o conjunto das nações, mas também promover uma leitura interna dos países envolvidos porque o cenário externo é sempre um ótimo handicap para alavancar índices de popularidade dos governantes porque todos sabem que conflitos externos se sobrepõe às questões internas e, via de regra, tem o poder de unir a população em torno de seus líderes, movidos pelo patriotismo que, neste caso, supera as divergências ideológicas.

Mas a frente pela “dominação” segue por outros caminhos também e, neste contexto, com cores diferentes do desenho tradicional, agora a versão moderna apresenta “Orange e o Cérebro”, empenhados em impor suas vontades em todo o mundo, via tecnologia, usando satélites e redes sociais para mexer com os neurônios dos terráqueos indefesos, loucos para repetir Cazuza, gritando alucinados “eu quero uma ideologia pra viver”.

Talvez seja realmente um momento de inflexão da história da humanidade onde, como em ciclo perverso, a civilidade sai de cena e abre caminho para o retorno da lei do mais forte. Preocupante.

Pior ainda imaginar que o genioso e mimado grandão do cabelo laranja tem força, dinheiro e amigos dispostos a novas e mais ousadas apostas, além da torcida ingênua daqueles que de longe enxergam um forasteiro poderoso que, em e de mágica, faça valer os desejos que as urnas negaram.

Triste planetinha onde pecar é permitido, onde a lei pode entrar em como de espera até que o transgressor exerça o poder, inclusive de impor uma autoanistia.

Anistia? Sim, o liberado geral para pecar de novo, como o nosso Congresso ensinou outro dia.

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