Opinião: “Brasil real x Brasil virtual”

Sinceramente, tenho dificuldades para saber em que país estamos vivendo, seria em uma reedição dos horrores do holocausto ou em paraíso idílico, de acordo com as informações que recebo em conversas com amigos de uma ou outra ponta ideológica. O Brasil indecifrável e enigmático, que aponta para cima ou para baixo em razão do humor do observador. Como traduzi-lo?

Não é o caso de recorrer a velha fórmula de apontar a herança maldita como razão das mazelas atuais. Foi assim também com os anteriores e, em 2025, as questões mais eloquentes ainda trazem resquícios dos tempos da pandemia, que, exceto pelas respostas em câmara lenta, não podem ser debitadas ao governo anterior.

Como exemplo emblemático, observem o recorde de leilões de casas da CEF. Ainda na pandemia, foram tomadas medidas com forte impacto de curto prazo, como redução das parcelas entre 25 e 75% que, desde 2023, precisaram ser recuperadas, resultando em inadimplências elevadas e consequentes leilões. Com bom senso, se conclui que jogar a culpa no colo do atual governo chega a ser leviano.

As dívidas dos estados, quase 700 bilhões de dívida com a União, concentrado em apenas quatro unidades (SP, MG, RJ e RS) que refletem a irresponsabilidade generalizada dos gestores estaduais, finalmente estão sendo negociadas e, talvez, pagas em condições extremamente favoráveis, deixando o rombo com a União. Por que iriam pagar dívidas, deixar de fazer obras e comprometer suas reeleições?

Ambos os exemplos listados são apontados, injustamente, como deficiências do atual governo, dentro da luta diária para impor suas versões para a população, em esforço quase desnecessário, já que as mentes estão tão dominadas que se tornam quase incapazes de raciocinar com argumentos que não lhes sejam agradáveis.

Todavia, traduzir o Brasil atual exige mais que expurgar o viés ideológico contaminado que produz leituras distorcidas, porque realmente, em muitos aspectos está difícil formar uma opinião isenta.

Veja o caso da economia. Parâmetros excelentes são divulgados com acentuada frequência que permitem a construção de um cenário favorável, sempre esperado quando o desemprego cai para os menores índices em quase vinte anos, com a informação adicional que o número de demissões voluntárias, que normalmente indicam uma evolução do emprego, com uma inflação que, embora acima do teto, não assusta porque o Banco Central responde com uma Selic elevada que a mantenha sob controle, mas que isto o PIB sobe, pelo segundo ano consecutivo, em percentual que nem mesmo os economistas mais otimistas previram no início do ano. Poderia indicar céu de brigadeiro, mas não é assim.

Exceto pelo setor de alimentação, basta uma rápida verificação do comércio de varejo das milhares de cidades brasileiras para verificar vendas baixas, consumidor reclamando dos preços e sem sobra salarial que permita vendas satisfatórias, como se o dinheiro que os parâmetros apontam, esteja escondido em alguma gaveta ou, mais provável, apenas no andar de cima da pirâmide social

A economia real para a classe média não tem nada de expressivo, bastando checar números do comércio de dezembro, sempre um mês bem acima da média, mas decepcionante em 2024, talvez pelo excesso de fatores que contribuíram para isto, altas taxas de juros, consumidores endividados e deslocamento da renda das famílias para serviços, preterindo bens de consumo, e reduzindo o resultado do comércio de varejo, cujo desempenho está sempre relacionado ao bolso das classes C, D e E.

A verdade que incomoda que não é a picanha, ícone da campanha eleitoral, mas o arroz e feijão e a “mistura”, com altas bem maiores que a média e que alteram o humor da população com o governo. Preocupa também saber que a solução é muito mais que demagogia ou populismo porque alta de alimentos está sempre vinculada ao câmbio e isto sofre pouca interferência do governo, no curto prazo.

A questão é que uma única ação aproxima esses dois países tão diferentes: uma ação efetiva do governo para redução do déficit fiscal e isto exige muito mais que medidas paliativas, mas um esforço enorme de corte de gastos e investimentos que também impõe um custo político, leia-se apoio no Congresso, e eleitoral.

O governo precisará entender que, mais ainda que o bolso, a boca pode ser fator decisivo em 2026. Pode apostar no desgaste e divisão do adversário para se manter competitivo, mas sem combater as raízes dos problemas nacionais, e da credibilidade do governo, não pode esperar números consistentes de aprovação popular.

O calendário também joga contra. Veja que Millei entrou chutando a porta e, ainda no primeiro trimestre assumiu o desgaste de mexer em vespeiro, como funcionalismo público e aposentados, com alto custo político, apostando em recuperação em até dois anos que permita preservar a popularidade em épocas de eleição.

Mas Lula demorou demais, acreditando no seu carisma e na redução da temperatura do jogo político. Perdeu a aposta e precisa bancar, agora com muito mais risco, uma nova estratégia porque apenas esperar que o adversário erre não me parece prudente.

O Brasil real pode se aproximar do Brasil virtual, a leitura que se impõe na sociedade, mas isto tem um custo elevadíssimo e, opinião pessoal, pode custar a substituição de Lula por Haddad em 2026.
Depois do brilhante retorno, duvido que Lula queira fechar a carreira com uma derrota nas urnas, logo tem pouquíssimo tempo para virar o jogo.

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