NR-1: Cuidado com saúde mental no ambiente de trabalho agora é Lei
A partir de 24 de maio, os riscos psicossociais arão a fazer parte do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), mecanismo que deve ser empregado por empresas para garantir, por meio da prevenção, que funcionários tenham um ambiente de trabalho seguro e saudável. A inclusão aconteceu com a atualização da Norma Regulamentadora Nº 1 (NR-1), o documento base das regras de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), em agosto de 2024.
Já faziam parte do GRO os riscos com agentes físicos, agentes químicos, agentes biológicos, acidentes e aqueles relacionados aos fatores ergonômicos. Com a inclusão dos riscos psicossociais, as empresas precisam ficar atentas a problemas como carga de trabalho excessiva, assédio, estresse, e quaisquer outros fatores que possam prejudicar a saúde mental dos funcionários.
Na prática, empregadores devem identificar possíveis riscos psicossociais e implementar mecanismos para mitigá-los, seja com treinamentos, palestras, reorganização de tarefas, melhoria nas relações interpessoais, entre outros. Tais ações precisam constar da elaboração do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), documentação obrigatória que inclui o inventário de riscos ocupacionais e o plano de ação, que estabelece quais medidas de prevenção serão adotadas pela empresa.
Desde 2022, todos os empregadores que mantém funcionários CLT precisam desenvolver o PGR, com exceção do Microempreendedor Individual (MEI), e microempresas e empresas de pequeno porte com graus de risco 1 e 2 que não exponham os empregados a riscos físicos, químicos e biológicos. Contudo, mesmo aqueles dispensados da elaboração do PGR precisam adequar seu ambiente de trabalho às novas exigências da NR-1.
Quem pode ajudar?
“Inicialmente, a empresa deve priorizar que o trabalho de adequação da NR-1 seja realizado por um profissional da saúde”, indica a psicóloga e mestre em psicologia organizacional e do trabalho, Daniele Jasniewski, que desde 2007 realiza avaliação psicossocial em organizações. “Como psicóloga, minha maior missão dentro da empresa sempre foi criar uma cultura de promoção de saúde mental, porque as pessoas precisam estar bem para trabalhar bem. Meu trabalho é, principalmente, ajudar a identificar situações que oferecem riscos psicológicos e proteger a saúde mental da equipe”.
Médicos do trabalho, psiquiatras e psicólogos organizacionais são, segundo Daniele, os mais aptos a monitorar as adequações na NR-1. “Uma avaliação de riscos psicossociais mal realizada, além de prejudicar os cuidados com a saúde mental do trabalhador, pode levar a empresa a sofrer penalidades e responder junto ao Ministério do Trabalho e Emprego. A recomendação é que as empresas busquem um profissional da saúde mental com expertise e formação em implementação de NR-1. Profissionais não habilitados em NR-1 ou profissionais que não são da área da saúde mental podem realizar a adequação a NR-1, mas é sempre bom lembrar que, em caso de um futuro processo trabalhista, o peso jurídico será sempre mais forte para um documento produzido pelo médico do trabalho, psiquiatra ou psicólogo organizacional”, alerta.
Identificando riscos
Vários fatores no ambiente de trabalho podem ser gatilhos para o desenvolvimento de psicopatologias. Daniele, com base na Organização Internacional do Trabalho (OIT), destaca que os agentes mais preponderantes para o adoecimento mental do trabalhador são o assédio moral e sexual, violência e falta de apoio na execução de suas funções. “Sentir-se sobrecarregado por estar em uma jornada de trabalho de carga horária excessiva, ou identificar sobrecarga de trabalho físico e mental são circunstâncias que, a médio e longo prazo, podem conduzir o trabalhador a condições de anormalidades em relação à ordem psíquica. Além dos fatores mencionados, sentir-se inseguro no emprego, trabalhar em situações de estresse (negativo), ambiente laboral monótono, são casos que poderão impactar diretamente o desempenho saudável do trabalhador”, completa.
Segundo Daniele, o maior sinal de que algo está afetando a saúde mental do trabalhador é sua própria percepção a respeito de seu ambiente de trabalho. O desconforto com a ideia de precisar estar presente em mais um dia de jornada de trabalho e sensação de tristeza com seus afazeres profissionais são fatores de alerta.
Uma vez que o trabalhador identifique que algo no ambiente de trabalho o está adoecendo mentalmente, é importante que algumas mudanças sejam feitas pelo próprio funcionário. “Não levar trabalho para casa, não responder mensagens recebidas fora de seu horário de trabalho, que ele faça pequenas pausas ao longo do dia e principalmente, sugiro que aprenda a dizer “não” para tarefas que fogem de sua capacidade, sua função ou que poderão comprometer seu tempo para a realização de outras tarefas”, indica Daniele.
Quanto a empresa, algumas métricas como taxa de rotatividade de empregados, falta de pontualidade e assiduidade dos funcionários, e alto índice de atestados e afastamento são fortes sinais de que o local de trabalho não é psicossocialmente saudável.
Manter um ambiente de trabalho com bons aspectos psicossociais é crucial para a saúde dos funcionários, mas também é extremamente benéfico para a empresa. “Algumas questões relacionadas à saúde mental podem comprometer a capacidade de concentração, foco e atenção, funções indispensáveis principalmente ao trabalhador que opera máquinas pesadas, por exemplo. Além disso, trabalhadores com níveis severos de depressão podem apresentar pensamentos de autoextermínio, então, existe o risco que ele seja negligente com sua segurança no local de trabalho. (…) Ao longo de 18 anos atuando em empresas, posso afirmar que pensar em saúde mental no trabalho é pensar em aumento da produtividade”, aponta Daniele.
“Eu contava os dias para o final de semana”
É importante destacar que, mesmo sendo adquiridos em ambiente corporativo, os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho acompanham o funcionário para a vida fora da empresa. “Isolamento social, dificuldade em se relacionar ou expressar seus pensamentos e emoções, ocorrem com frequência em indivíduos que trabalham em um ambiente psicossocialmente não saudável” destaca Daniele.
O desinteresse por aspectos de sua vida pessoal em função de problemas no trabalho foi identificado por *Patrícia. “Eu perdi a libido, tanto que tem vezes que não o o toque do meu namorado. Estamos há um bom tempo sem ter relações, porque não tenho vontade. Chego em casa e só deito no sofá e fico no celular, não tenho animação, parece que minha energia se consumiu. A psicóloga até disse que gasto toda minha energia lá no serviço e em casa eu canso. Eu desligo”.
Patrícia foi diagnosticada com burnout, além de depressão, ansiedade e TDAH. Mas identificar esses problemas não foi tarefa fácil. Ela conta que, inicialmente, ao sentir falta de ar por conta das crises de ansiedade, começou a tratar o problema como uma bronquite. Com o tempo, acabou percebendo que tratava os dias de trabalho como uma contagem regressiva. “Eu contava os dias para o final de semana. Chegava a segunda-feira e eu pensava: meu Deus, 1 de 5. No ônibus para ir trabalhar eu tinha vontade de seguir o rumo e não ir para o trabalho, sumir. E para voltar para a casa era a mesma coisa. Eu não queria mais voltar para casa. Eu só queria sumir”.
Patrícia também percebeu que seu humor, sempre tão alegre e positivo, estava sendo subjugado pela tristeza e um desânimo profundo. Em um determinado momento, teve um ataque de pânico na empresa em que trabalhava. Foi então que resolveu procurar ajuda profissional. Nas sessões com psicólogo, conseguiu identificar os fatores que estavam afetando sua saúde mental.
O que mais causava ansiedade em Patrícia era a sensação de não ter tempo para nada que não fosse o trabalho. “Minha cabeça parece que não para, eu não consigo silenciar a cabeça. Então eu tinha que fazer muitas coisas e ainda lidar com a cabeça, daí uma coisa ia atropelando a outra, e acabava que eu não conseguia fazer nada. Minha psicóloga me disse: você não consegue se desligar do serviço, você precisa estar sempre antenada no serviço. E eu sempre achava que eu não estava dando conta do que eu estava fazendo”.
Humilhações por parte da gerência da empresa também afetaram a saúde de Patrícia, fazendo a mulher menosprezar suas próprias habilidades e capacidades. “Não era nem tanto pela cobrança. Mas a forma como cobravam era tentando humilhar. E isso me deixava muito mal, porque nenhum dos meus trabalhos eu tinha sido tratada dessa forma”.
Atualmente, Patrícia faz acompanhamento psicológico e uso de medicamentos, além de buscar, diariamente, aprender a lidar com seus diagnósticos. “Eu vejo que eu tô conseguindo me impor um pouco mais, mas tem horas que… A minha vida é tipo uma montanha-russa. Tem horas que eu estou lá em cima, tem horas que eu estou lá embaixo. Se eu estou lá embaixo e chega pancadaria da empresa, eu me desmorono. Eu me desestabilizo de uma forma absurda, que eu volto a me sentir a pessoa mais incompetente do mundo. É uma construção diária ali pra preparar a cabeça pra isso. Não é fácil, realmente, não é nada fácil”.
Para Patrícia, a atualização na NR-1 é crucial para proteger a saúde dos trabalhadores e a continuidade das empresas. “As pessoas não estão bem. É uma sobrecarga absurda. A gente tem as obrigações em casa, tem filhos, tem faxina, tem um monte de coisas para fazer. E a gente não consegue descansar, então a gente sempre está trabalhando. E a empresa, se ela não auxiliar, não ter liderança que trabalhe de uma forma diferente, se a cobrança não for mais humana do que autoritária, as empresas não vão ter mais pessoas para trabalhar porque todo mundo vai acabar adoecendo”
*Nome alterado a pedido da fonte
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