Bebês Reborn: neuropsicanalista analisa a polêmica do brinquedo realista
Nas últimas semanas, um assunto tem tomado conta das redes sociais – e até mesmo dos ambientes legislativos do país: os bebês reborn. São necessários poucos minutos no Instagram, Facebook ou TikTok para ser impactado por, ao menos, um conteúdo sobre o tema. Seja ele em tom humorístico, ou pessoas denunciando supostas tentativas de burlar o o a fila preferencial e atendimento no SUS com o uso de bonecas. Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), quatro Projetos de Lei foram protocolados, visando punir quem tentar obter vantagens por meio do brinquedo.
Mas afinal, o que é um bebê reborn? Diferente das bonecas comuns, feitas de plástico e encontradas com facilidade em lojas, os bebês reborn são mais realistas, muitas vezes sendo idênticos, em um primeiro momento, a bebês de carne e osso. Geralmente são confeccionados por artesãs, com materiais que fazem com que o brinquedo seja macio ao toque, simulando a pele de um recém-nascido, além de cabelos colocados fio a fio, e olhos de vidro que se assemelham aos naturais. E é exatamente essa semelhança com o real que atrai tantas pessoas.
“O bebê reborn, por ele ser mais realista e ter essas características, vai causar conexões cerebrais diferentes do que uma boneca que é fantasiosa”, explica a neuropsicanalista Carina Wahl de Almeida. Segundo a profissional, o cérebro humano tem tendência a se afeiçoar por imagens e objetos com feições delicadas. Quando acontece essa ligação, o órgão libera hormônios ligados ao prazer e ao amor: a dopamina e a oxitocina, respectivamente. “A conexão com esse tipo de boneca reborn é completamente diferente de uma conexão com uma boneca de plástico”.
Outro fator importante para entender o apego que pode surgir com os bebês reborn é o fato de o cérebro não conseguir distinguir com facilidade o real do imaginário. É o mesmo princípio que faz com que nos emocionamos com um filme, por exemplo. “Quanto mais realista algo for, ele [o cérebro] vai considerar como realidade. Ele não consegue entender muitas vezes que aquilo é mentirinha. Por isso que, às vezes, a gente tem tantas questões emocionais, porque aquilo que a gente pensa, ele acredita que é real. Os pensamentos são incontroláveis, né? O cérebro é uma máquina maravilhosa, mas quem está no controle é a mente. E a mente, mente”, explica Carina.
Limites
A origem dos bebês reborn está atrelada, entre outras coisas, à ideia de proporcionar um desfecho para mães em luto, principalmente aquelas que perderam o bebê na gestação. “Nós, enquanto seres humanos, precisamos ter o processo do luto e nós precisamos ter um momento de despedida, por isso que é muito difícil quando a gente não tem um corpo para se despedir. A mãe que perde esse bebê na gestação, não tem como se despedir. Então eles foram feitos primeiro com esse objetivo, de trabalhar o luto”, relata a neuropsicanalista.
A profissional também indica outros usos benéficos das bonecas realistas, entre eles o auxílio no tratamento de mulheres com Alzheimer. O problema, entretanto, está em extrapolar o limite e começar a tratar o bebê reborn como algo vivo. “Qual é o limite? É a partir do momento em que ela acha que aquele bebê tem vida. Agora, ela brincar, ela gostar, ela ter um quarto para esse bebê, roupinhas… Tudo a gente precisa analisar. Porque pode ser apenas uma questão de colecionismo. Hoje nós estamos falando do bebê reborn, mas se você for procurar, você vai ver comunidades que tem quartos da Barbie, do Batman. E qual é a diferença? Eles brincam. E o cosplay que a galera se veste de tal personagem e vive aquele personagem? Só que vive naquele momento e precisa voltar para sua realidade. Todos nós somos adultos com uma cabecinha de criança em muitos momentos.”
Carina destaca, também, que é importante não estigmatizar pessoas que usam os bebês reborn como tratamento ou como uma distração, mas reforça a ideia de que é necessário saber quando parar. “Vamos combinar que tem gente conversando com inteligência artificial? Então qual é a diferença de alguém que está conversando com a inteligência artificial ou daquela que está conversando com o bebê reborn? Então deixa brincar com a bebê reborn, com a Barbie, com o carrinho de Hot Wheels, com a fantasia do Batman. O problema só existe se você não conseguir voltar para a realidade. Se aquilo for a sua vida. Se você está se isolando. Se você não sai mais de casa. Se você não conversa com as pessoas”.
É o que parece?
Quanto à enxurrada de “denúncias” na internet sobre o suposto uso de bebês reborn para obter vantagens, Carina é objetiva: não confie em tudo o que você vê nas redes sociais. “A gente precisa cuidar com isso, porque muitas dessas questões são criações. Como é um negócio que está agora em alta, dá Ibope. Semana ada ou retrasada, se não me engano, veio lá um comunicado do SUS. Gente, esse comunicado é falso, ele não existe. Então a gente precisa cuidar muito com o que a gente vê e muito disso está sendo criado, não é real. Existem situações e transtornos em que realmente essas pessoas acham que são crianças reais? Claro que existe, mas é uma minoria. E não a massa como está sendo divulgado agora, como se milhões de pessoas estão. Não é isso. A gente tem que cuidar muito com o que nós vemos. Qualquer um hoje faz um vídeo, qualquer um pega a sua logo e faz uma publicação falando uma nota oficial”.
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