Escreve o Leitor: Digite “NÃO” para seriedade
Caro Sr. Danton:
Tenho tido sérias dificuldades para entrar em contato com você e confesso que não esperava isso de alguém com o seu sobrenome. Depois de nossa conversa aqui em São Paulo, quando do enterro do Sr. Gouveia, ocasião em que fomos formalmente apresentados, fiquei com a clara impressão de, finalmente, haver encontrado alguém com seriedade na área de informática.
Estaria eu enganado?
Tal impressão me foi deixada por você mesmo, talvez exagerando suas habilidades pessoais, com a ajuda de minha ingenuidade no trato com alguém que eu não conhecia realmente. No entanto, não se deve confundir ingenuidade com total ignorância. Em certos círculos, levar alguém a acreditar que se é mágico é tido como simples e pura má fé (especialmente quando fora de um palco apropriado). Quando esse alguém graciosamente se anuncia como sendo representante autorizado das mais conhecidas e conceituadas fabricantes de computadores e, perguntado, responde que uma máquina Toshiba não estaria fora do seu escopo, o que pensar, ingênuo ou não?
Há um quê de covardia nos atos de um profissional que, do alto de seu conhecimento técnico, envolto ainda no sacro manto de grandes amizades pessoais comuns, ilude e cria falsas expectativas para ganhar… exatamente o que? Essa é a parte que venho tentando entender desde que esse triste episódio começou. Por que alguém precisaria assumir responsabilidades por coisas sobre as quais pouco sabe ou não tem interesse legítimo, por menor que possa ser? Para ganhar exatamente o que, trocando seriedade pela efêmera glória de uma apresentação de impacto?
Algumas pessoas mais antigas diriam que faltou seriedade.
Entretanto, em alguns casos para ser sério basta que se diga não. Infelizmente, não foi o caso de seu funcionário Paulo quando conversamos longamente por telefone, antes que eu lhes mandasse meu laptop cegamente.
Talvez você e sua empresa também sofram do grande mal que assola esse país insidiosamente, que é a falta de responsabilidade e não tenham escrúpulos em mais tarde mandar alguém dizer, pelo telefone, que a tal pessoa que assumiu o compromisso “já não trabalha mais aqui”. Ou talvez ainda você simplesmente não consiga ver que, na verdade, esse é o maior prejuízo que se possa infligir a alguém, pois isso nos afeta a todos, não apenas clientes que somos, mas brasileiros que somos.
Um computador pessoal, um PC, é algo muito pessoal mesmo, mais ainda se um laptop. Essas caixinhas cheias de eletrônica Hi Tech aram a fazer parte do nosso dia-a-dia de forma impensável há algum tempo, uma vez que nos conferem a habilidade de organizar nossa própria personalidade, funcionando como extensões etéreas desta.
Assim, me sinto roubado. Roubado porque me é negado o o a essa parte organizada de minha personalidade (minha senha pessoal não mais funciona!) e roubado quanto à minha fé nas pessoas e nesse país, o que considero extremamente grave. Quero que tenha consciência do seguinte, pois para mim é ofensa muito maior que as farpas das palavras ásperas trocadas pelo telefone: nesse momento, considero você uma pessoa que não merece respeito.
Em seu favor, prefiro acreditar que não saiba de tudo que fazem em seu nome, o que não é desculpável e sim digno de pena, pois você os contratou e paga para ajudá-lo. Assim, permita que eu também o ajude relatando os fatos em sua ordem cronológica.
Primeira parte: finalmente o conheço pessoalmente, no referido funeral e fico ciente que Lap Tops fazem parte de seu ofício.
Segunda parte: precisando, entro em contato telefônico com sua empresa e, através de um tal Sr. Paulo, o qual se diz gerente, fico sabendo que isso é verdade. Ou seja, laptops Toshiba estariam dentro de sua habilidade técnica. Nessa mesma conversa fica estabelecido que haverá um diagnóstico e o decorrente orçamento, a ser por mim confirmado e que de fato foi, via email. No orçamento que recebi também foi estipulado um prazo para a execução do referido serviço. Nesse ponto, penso que estava mais do que comprovado que havia um compromisso firmado entre um cliente e um prestador de serviços. Há um objeto, que é a competência técnica, um valor e um prazo.
Terceira parte: sou informado, depois de sucessivos telefonemas meus, pois tal prazo não foi cumprido, que o problema parece ser maior do que o imaginado a princípio. É então proposto um novo prazo, sob a alegação de que o aparelho teria que seguir para Porto Alegre (RS). Novamente aceito as condições, apesar de não concordar inteiramente com o rumo que as coisas estão tomando. Findo o novo prazo combinado, sempre sendo eu o único lado ativo da comunicação, consigo novas informações, dessa vez sobre as dificuldades havidas quando determinadas peças importadas são procuradas. Isso resulta num novo prazo.
Quarta parte: nesse ponto já com pouca paciência para aquilo que deveria ser um simples reparo (é preciso que fique claro que sou leigo no assunto, tanto que para isso solicitei os seus serviços), ligo novamente para sua empresa e sou informado que o Sr. Paulo, pessoa que era meu único contato – e seu gerente – “já não trabalha mais aqui”. Sou então encaminhado a um técnico, como disse a moça que atendeu o telefone, o qual pouco ajuda e o faz como favor, ressentindo-se de minha impaciência.
Quinta parte: depois de alguns dissabores, recebo um aparelho todo remexido, ainda com a disfunção original e não mais consigo o aos meus arquivos, pois minhas senhas não mais funcionam.
Sexta parte: entro em contato com sua empresa e interpelo o técnico sobre esse fato, o qual me responde, dessa vez como um grande favor, que isso é impossível.
A bem da verdade, é preciso que seja dito que não me foi cobrada nenhuma quantia em dinheiro, em tempo algum. O que me faz pensar: a relação benefício/tempo versus custo/paciência não deveria ser uma preocupação maior no seu ramo?
Permita agora os tais conselhos.
Troque de ramo. Suas capacidades, que devem ser grandes em alguma área, poderiam ser melhor aproveitadas numa atividade em que os clientes, como um todo, tenham menor ou nenhum conhecimento dos que lhes é imposto e ajam com o comportamento bovino que você certamente esperaria deles. Se isso não for possível, ao menos adquira alguma competência no trato com pessoas, pois sua conduta e de seus colaboradores pode render-lhes alguns aborrecimentos mais sérios. Por último, se nada mais lhe parecer viável, aprenda a dizer não. Não um não qualquer, mas sim um não competente: não posso fazer isso, não sei fazer aquilo, não me atrevo a mexer no seu computador.
O país agradeceria.
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