Crônica: quem nunca errou (mil vezes a mesma coisa)?
No convite para o “pagode com feijoada” estava escrito que o traje requerido para a festa era “roupa de errar”. Empenhei-me sem sucesso em descobrir o significado, pois a malandragem era tanta no dress code que sequer Alexa sabia o que me dizer. Deveria ter falado para o aniversariante que não iria na celebração, mas aceitei. Pensei então em ir vestido com algo do meu dia a dia, o que seria muito fácil. Só que daí eu correria o risco de alguém me achar adequadamente vestido para a ocasião e, logo no elogio, convencer-me de que eu me visto errado, seja lá o que isso signifique. Acabei por decidir usar a cautela e comprar uma camiseta simples, trivial. Só que, desconheço o motivo, Freud que o explique, comprei uma na cor amarelo-ovo e com o rosto da Kim Kardashian nela estampado da gola à cintura. Errei.
Festas musicais nunca foram feitas para mim mas, ainda assim, fui a muitas ao longo da vida, de modo que fiz fiasco em praticamente todos os CTG´s e tardes dançantes de que se teve notícia desde os anos noventa. Não há vanerão no qual eu não tenha errado o o e até mesmo danças de quadrilha nas festas de São João eu estragava. Por precaução, nunca tentei o ballet, esquivei-me como pude do tango e das valsas, fiz das tripas o coração para fugir do bate-coxa sertanejo e, claro, sempre neguei veementemente entrar num arrasta-pé ou num forró. Recentemente, porém, errei novamente ao me matricular em aulas de dança flamenca. Como resultado quebrei a tíbia, sai para sempre do curso e agora escrevo crônicas sentado no sofá.
De tudo porém, fiquei a pensar: por que o eterno retorno ao erro? Por que erramos tantas vezes nas mesmas coisas que, de antemão, podemos saber que vão dar erradas?
Pois bem, é aí que reside o perigo. Descobri por experiência que há um tipo de erro insuperável, que compõe a essência das pessoas. Certamente você deve conhecer alguém que erra assim. Há quem nunca acerta o chimarrão, outro que sempre queima o arroz, um que toda vez fala o que não deve, o fulano que nunca chega no horário, o beltrano que diz “mais” no lugar de “mas”, o cicrano que sempre sai de guarda-chuva no dia de sol para o esquecer no dia de chuva, além daquela pessoa que sempre vacila e conta o segredo. A lista pode ser infinita mas, para bem ou para mal, aprendi que essas pessoas não erram, elas são assim e gostar delas implica se ver com isso o tempo todo. Haja paciência e amor!
Aliás, o amor romântico talvez seja a experiência mais fértil para erradas. Quem nunca, não é? Um dos meus grandes amigos, porém, é insuperável. Ele teve tantas namoradas ao longo da vida que a turma desistiu de registrar o quantitativo quando conheceu a 165a. Isso numa cidade pequena como União da Vitória. O estranho é que depois de uma semana de muito amor, tudo acabava e ele dizia: acho que errei novamente. Semana seguinte, acredite se puder, nova namorada e novo erro. Ora, mas como? Já são quase duzentas erradas! Será que não pode aprender com o erro? Pois é, não dá. O erro é sua essência. Há um pagodão do grupo Pixote que tenta explicar: “também errei/me apaixonei diversas vezes/É, achei que ia durar pra sempre/E os pra sempre só duraram meses/É errando que a gente se acerta”. Acerta mesmo? Duvido.
Aliás, por falar em pagode, volto ao evento no qual erroneamente fui me meter. A música começara. Katinguelê retumbava forte e, sem saber o que fazer, enchi o prato de feijoada. Diante de toucinhos, pernas de porco, couves e laranjas eu tentava comer o mais devagar possível para que não fosse obrigado a dançar, ainda mais com a tíbia rota. Via as pessoas alegres, divertindo-se. Até meu amigo estava ali e ao embalo do Raça Negra ensaiava mais um namoro para a semana. Mas eu não, eu estava errando seriamente em tempo, lugar e modo, firme no propósito, com um pedaço de costelinha defumada numa mão e um deslocamento existencial na outra. Tudo absolutamente errado.
Dada minha situação eu cheguei até mesmo a acreditar que sabia tudo sobre errar, mas foi justamente no pagode que fiquei sabendo que há um erro magnânimo, cujo cometimento é normal ao menos uma vez na vida para alguns e lei de todo final de semana para outros. Envolve o sempre perdido e o nunca aceitado, a saudade, a esperança, a coragem e, em última análise, a cara de pau e a falta de bom senso. Trata-se do ato de mandar mensagem para quem te deixou para trás. Soube disso porque um sujeito ao meu lado, já confuso diante de tanta alegria, no surto metabólico provocado por três pratos de feijoada e com notório hálito etílico, disse-me que havia novamente libertado a dor no peito e enviado outra mensagem para ela. “Oi sumida saudade de nos dois”, escreveu-lhe sem pontos, sem acentos e sem a menor preocupação com as regras do vernáculo. Que erro, pensei. Isso vai acabar mal, calculei em seguida. Percebi então que ao fundo tocava um pagode muito providencial para a situação. Dizia a canção: “Todo mundo erra/todo mundo erra sempre/todo mundo vai errar… vou-me embora/vou-me embora na velocidade da luz.” Era a senha. Revelação. Levantei-me em silêncio, solene e errado. Fomos para casa sem dar adeus a ninguém, eu e a Kim Kardashian, estampada que estava da gola à cintura na minha ridícula camiseta amarelo-ovo.

Fernando Perizzoli é professor e Advogado, tendo atuado por mais de dez anos no ensino superior em União da Vitória e Porto União. Além disso, lecionei na Universidade Federal de Santa Catarina, na Universidade de Coimbra (PT) e na Universidade de Mumbai (Índia). Fui consultor da Fundação Oswaldo Cruz (RJ e DF). Exerci o cargo de Diretor Municipal no Poder Executivo de União da Vitória e o de Coordenador Jurídico na Secretaria de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, em Brasília. Atualmente sou Professor de Direito Constitucional da UNIEURO (Brasília) e trabalho no Ministério Público do Estado de Goiás. Contato: [email protected]/@fernandodavidperazzoli.